No post de hoje não irei falar apenas sobre culinária, mas também sobre
contos e crônicas. Sim, isso mesmo. E o personagem de hoje é João Batista
Gregório, de 61 anos, natural de São João da Boa Vista, interior de São Paulo.
É casado com Helena Ciacco Gregório e tem quatro filhos, seis netos e uma
bisneta recém-nascida.
Trabalhou 35 anos na Caixa Econômica Federal e considera-se um bom
observador e conhecedor do ser humano, por ter trabalhado por muito tempo com
pessoas.
Após ter se aposentado, João passou a se dedicar mais a culinária e a
escrita. Na culinária já tinha o hábito de cozinhar para parentes e amigos, e
hoje promove alguns jantares especiais, como por exemplo, um jantar espanhol
que ocorreu na Pousada do Bosque. “Não tenho o hábito de cozinhar para a família. Uma vez por mês faço jantares temáticos e
toda semana faço cerca de 300 litros de um sopão delicioso que distribuímos às famílias
carentes”, diz ele.
Paella feita para o jantar espanhol |
Já na literatura, sua aventura foi publicar dois livros, “Crenças e
Desavenças” e “Qual será o sabor da crônica”. Cada um tem 40 crônicas e
pequenos contos e no final de cada texto sempre há uma receita. E em breve será
lançado o terceiro livro.
E quem quiser pode conferir uma dessas crônicas abaixo:
"A MALA DE
PAU"
(Em Novembro do ano passado, perdi
minha mãe que faleceu, aos 93 anos, sem grandes sofrimentos e completamente
lúcida. Modelo de alegria, amor e honestidade foi- se em paz, na certeza do
dever cumprido nesta vida. Por isso, hoje e nas próximas semanas de Novembro,
publicarei algumas das crônicas que fiz sobre ela, mesmo aquelas que já foram
lidas por vocês.)
Quando minha mãe ia à cabeleireira para cortar o cabelo e fazer
permanente era assim: os três filhos mais velhos ficavam na casa de minha
tia e os três mais novos, ela os levava consigo. Normalmente era em tardes de
sábado e nesses dias, a rotina lá em casa mudava um pouco. O almoço saia mais
cedo, a roupa não era lavada e nosso banho era mais caprichado. Como eu era o
menor, minha irmã cuidava de mim, no chuveiro. Era aquela choradeira, pois ela
esfregava tanto meu pescoço e orelhas que me deixava todo vermelho e ardendo.
Depois, para o processo de secagem,colocava-me em pé sobre um antigo baú de
madeira,com tampa abaulada que minha avó Adelaide
trouxera de Portugal, no início do século passado. Vai-se saber quais
louças preciosas ou tralhas necessárias vieram, diretamente de Coimbra,
naquela respeitável "mala de pau". Entretanto, na minha infância e
adolescência, o móvel de carvalho servia-se apenas para guardar roupas sujas ou
sustentar moleques molhados.
Num sábado desses, já estávamos todos prontos para
acompanhar mamãe ao "Salão da Margarida" que ficava distante de casa,
quase no fim da Avenida. Não me recordo bem qual arte aprontei, mas fiz por merecer uma surra de minha
mãe. Só me lembro de que, enquanto ela procurava o cordão do ferro elétrico
para aplicar-me o corretivo, corri a esconder-me dentro da mala de pau.
Quando ficava nervosa, minha mãe tinha a mania de falar demais,
numa lamúria sem fim e, na maioria das vezes, aquela cantilena monocórdica
acabava por acalmá-la. Então, fiquei ali, bem quietinho, com as pernas
encolhidas, esperando chegar a calmaria.
Sobre a maciez das roupas usadas, acabei por adormecer
profundamente, alheio ao fuzuê que se armou na minha casa, por conta de meu sumiço. Inicialmente
minha mãe queria achar-me para aplicar a sova prometida, depois para que eu não
sujasse a roupa de passeio, mais tarde porque perdera a hora da cabeleireira e
finalmente, quando anoiteceu, desesperou-se pensando que eu havia sido
sequestrado.
_ Meu Deus... Os ciganos estiveram aqui hoje pra buscar o porco: devem ter carregado o
menino!
Naquele tempo, meu pai vendia porcos, galinhas, cabritos e
toda a espécie de animais, que trazia do sítio. Esses bichos ficavam num grande
cercado que existia em nosso quintal e minha mãe se encarregava da venda no
varejo a diversos fregueses da redondeza. Dentre os compradores, vira e mexe apareciam os ciganos que acampavam na
parte alta da cidade, perto da antiga caixa d'água. Meu pai tinha amizade com
todos.
Assim que papai chegou da roça, minha mãe, em prantos, implorou
para que ele fosse ao acampamento dos gitanos a minha procura. Mas o velho retrucou,
incomodado: Alzira, como é que eu
vou lá perguntar uma coisa dessas pra eles?! São gente boa e isso de roubarem criança
é lenda... Seria uma ofensa das bravas!
Mamãe já estava disposta a quebrar violinos e pandeiros, quando minha irmã chamou lá do banheiro: _ Mãe,
achei o safadinho!
A velha levantou-me em seu colo, ainda dormindo. Sentou-se na tampa do baú
e começou a beijar-me, chorando baixinho. Acordei-me sentindo aquele cheirinho
gostoso de mãe. Vendo-a chorando, segurei uma das pontas de seus cabelos finos
e macios e somente consegui perguntar: _ A senhora não fez permanente?
Ela respondeu-me, dando um daqueles seus beijos estalados: _ Não,
filhinho! A Margarida não abriu o salão hoje...
Assim era minha mãe e, quanto à mala de pau, não sei que fim levou!
Por falar em ciganos, segue aí uma receita, modificada ao meu
gosto, de:
ARROZ À MODA CIGANA: 2 xícaras de arroz
temperado e cozido; 1/2 xícara de pinhões pré-cozidos ou castanhas do Pará; 3
colheres de manteiga; 1 xícara de queijo suiço (aqueles com buracos) picado; 3
ovos batidos; 2 copos de leite; 1 xícara de espinafre cozido, com sal e picado;
1 xícara de brócolis cozido, com sal e picado, 1 cebola picadinha.
Corte os pinhões ou as castanhas em
filetes bem finos. Dê uma leve fritada na manteiga e misture aos demais
ingredientes. Leve ao forno por 15 a 20 minutos.
E se você quiser adquirir os livros, eles estão à venda pela Editora Baraúna, na Livraria Record, em São Paulo e na Livraria Grafitte em São João da Boa Vista.
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